Singular ou genérico? Os desafios da psicanálise no século XXI

Postado em 1 de maio de 2017

Maria Odete G. Galvão

O novo programa da TV cultura – Terra dois – com o psicanalista Jorge Forbes e a atriz Maria Fernanda Candido, se propôs a discutir assuntos referentes aos desafios das novas maneiras de viver no século XXI, analisando com muita propriedade, qual é a nova forma de estar no mundo na pós-modernidade?

Sabemos que o surgimento de novas formas de sofrimento impõe desafios constantes à sociedade. Os psicanalistas, por sua vez, se ocupam cada vez mais em entender a causa desse sofrimento: Falta emprego? Pressões políticas e sociais? Ausência de projetos futuros? Fracassos em estabelecer laços sustentáveis e duradouros? Suicídios?

Diante desse mundo que parece ruir a nossa volta, observamos a desenfreada busca das mais variadas soluções mágicas para a cura dessa dor que causa incômodo e mal-estar na sociedade considerada normal. Essa busca vai desde consumo excessivo de medicamentos, eletrônicos, sexo, passando pela moda, comida e beleza até os famosos gurus pós-modernos, que tem sempre uma dica fantástica para solucionar as demandas de desamparo do sujeito; formas antigas e verticalizadas de resolver problemas que se apresentam de uma maneira horizontal, sem referentes que venham de fora ou do alto, conselhos moralistas ficam todos ultrapassados da noite para o dia.

A clínica psicanalítica constata diariamente que apesar de todas as conquistas tecnológicas, científicas e econômicas a espécie humana, segue com um sofrimento cada vez mais intenso, decorrente do excesso, de algo que incomoda, perturba ou provoca insatisfação. Apesar de não ser novidade, o sofrimento constitui-se em um dos principais desafios de nosso século, pois adquiriu novas faces muito mais violentas, e a ciência cria diagnósticos cada vez mais elaborados para nomear esses males, com o objetivo de erradicar o mal através da medicação. Ouvi recentemente um paciente se queixando: os medicamentos não funcionam comigo, e todos os psicólogos desistem de mim!

A psicanálise, desde sua origem com Freud e depois com Lacan, se posicionou do lado da arte afirmando que uma das saídas mais eficazes para os excessos humanos e os sofrimentos provindos destes era a arte, a criação, e a invenção de uma nova maneira de ser e estar no mundo. As manifestações da arte sejam plásticas, literatura, música ou teatro, são a mais completa expressão do significado exato do sofrimento humano, pois, em geral,  experimentamos uma sensação eterna de incompletude, que faz adoecer, um exemplo disso é a palavra grega pathos que pode significar o amor como doença, pois o amor é tudo o que existe de mais doce e de mais amargo.

Hoje, os deprimidos, tomados por uma sensação de vazio, buscam ativamente a destruição: São 150 tentativas de suicídio por ano para cada 100 mil habitantes entre jovens de 12 a 25 anos. Um mundo de múltiplas opções e desorientação completa! Observamos nos relatos de pacientes que eles sofrem muito mais pelo que pode acontecer com eles, do que com o que aconteceu no passado, aquilo que chamávamos de trauma no passado, passou a ser pura angústia, sem nome e mortífera.

A angústia não é pelo que se sofre ou sofreu, é pelo futuro. A primeira tentativa de tamponar essa angústia é se agarrar em respostas alheias, em livros de autoajuda, ou em gurus com cara de conteúdo que anunciam desgraças nas madrugadas televisivas, porém, para muitos, isso não funciona mais, aí com o fracasso desses métodos orientados pelo vertical, pelo que vem de fora, buscam a segunda tentativa decisiva: o suicídio. O futuro assusta as pessoas.

A psicanálise do século XXI vem discutindo as novas formas de angústia, pois sabemos que a mudança da maneira de viver vertical onde o saber vinha do outro para o horizontal sem respostas prontas, e com exigência cada vez maior de opção apressada, marcam o momento da clínica atual. Na clínica de hoje, se faz necessário uma nova posição do analista, que dê ao analisando uma implicação não assustadora em frente ao desconhecido, que ele possa inventar novas maneira de viver, inventar respostas novas para as questões que se apresentam, ou seja, criar, deixar de repetir os mesmos erros e se responsabilizar por sua invenção e criação: Você quer ser singular ou genérico?

Maria Odete G. Galvão

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