Psicanálise: uma questão de estilo

Postado em 2 de março de 2018

psicanálise

“Ponham algo de si na psicanálise, não se identifiquem comigo! Tenham seu estilo próprio, pois eu tenho o meu”, advertia Jacques Lacan, o psicanalista francês que revolucionou os conceitos fundamentais da psicanálise: inconsciente, pulsão, transferência e repetição.
Ao abordar esses conceitos a luz da filosofia e da linguística, Lacan fala de estilo e da singularidade humana atravessada pela linguagem e causadora do sujeito dividido entre pensamento, ato e fala. Parece loucura falar de singularidade em uma era das multidões, dos grandes aglomerados de pessoas, dos milhões de seguidores: tenham um estilo próprio! Ah! A psicanálise como sempre apontando outros caminhos.
Procedimento inventado por Freud para intervir na estrutura neurótica que não se relaciona com a realidade exterior, a psicanálise é a arte do inconsciente, de um saber do qual não temos acesso, a não ser por um processo de investigação da posição subjetiva, que escapa através de identificações que fogem à lógica da linguagem corrente.
Aquele que procura um psicanalista, não sabe o que fazer para se livrar daquilo que o incomoda, pois já tentou de tudo, desde as mais recentes técnicas da moda a todos os gurus midiáticos: força de vontade, pensamento positivo, conselhos de toda ordem, sete passos para a felicidade, etc. O que o faz procurar um psicanalista é a necessidade de se livrar do seu sintoma, mas, o que ele não sabe é que há uma razão para permanecer no que o incomoda, pois isso que mais lhe incomoda também é o que lhe dá existência, uma existência enganada, porém presa a valores e laços muitos fortes da infância. Desfazer esses laços sem interpretação, como prometem algumas terapias da moda, pode trazer enorme angústia e desamparo.
Ao iniciar um percurso psicanalítico, a primeira operação que se dá é a elaboração das fantasias imaginárias: a substituição dos fatos da realidade do mundo pelas queixas e demandas de ser amado. A pergunta aqui é: qual a sua responsabilidade naquilo do que se queixa?
A segunda operação, após as intervenções do psicanalista e o abandono das queixas é a passagem para a interrogação, para a implicação: se faço o que me prejudica, então quem penso que sou e por quê?
No terceiro momento da análise há a separação entre a existência para o outro, para agradar o outro, na sua demanda de ser amado, no “eu sou assim”, para a elaboração de que se pensava que era assim, pois isso dava uma existência, um corpo, uma maneira de ser amado, e agora pode existir de outra maneira, ter outro ser, que agrade a si próprio, pois não há o objeto alucinado na infância que venha suprir as expectativas sociais e familiares.
A resposta do interrogar-se sobre o que leva a fazer aquilo que o prejudica introduz o sujeito no sentido de seu mal-estar, ou seja, no cerne de seu desejo. Fica na presença angustiante daquilo que não tem sentido, de um atributo que o marca: bonito ou feio, inteligente ou ignorante, bom ou mal, amoroso ou agressivo, violento ou passivo, etc., que marca sua singularidade. Após essa interrogação é possível decidir se quer o que desejou no mais íntimo de seu ser, aquilo que parecia estranho, revelou-se o mais familiar.
O último tempo de uma análise, percorrido por poucos corajosos, é o tempo da resposta sobre se realmente quer o que deseja, é o tempo da descoberta da causa do desejo, daquilo que o move pela vida, da descoberta de que a satisfação não está nos objetos almejados e alcançados, mas na capacidade de continuar desejando, caminhando, realizando, produzindo e consequentemente amando.
Assim, uma análise termina quando há uma elaboração sobre saber bem dizer, que também é um fazer, um saber fazer com seu desejo. O fim de uma análise também é a elaboração desse percurso, é a constatação da mudança de posição perante seu desejo: a entrada na análise se deu pela via da queixa, ou da impotência e a saída é pela via do desejo, da produção e de uma nova maneira de lidar com a realidade humana.
Que a entrada desse novo ano possa despertar a coragem de elaborar questões que possam abrir novas portas para aqueles que desejam produzir uma vida interessante, uma vida digna de ser vivida!

Maria Odete G. Galvão
Historiadora, psicóloga e psicanalista, Mestre em semiótica psicanalítica pela PUC/SP, e coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Psicanálise, Arte e Cultura de Arujá
Fone: 4653-6691 / 97100-5253
Rua Vanderlei Nasser do Prado, 114
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www.mariaodeteggalvao.com.br
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