O sofrimento inconsciente do adolescente

Postado em 1 de outubro de 2017

Maria odete

Há cinquenta e dois anos os Rolling Stones encantavam o mundo com seu som contagiante “I can’t get no satisfaction”, e milhares de jovens daquela época o acompanharam afirmando: eu não posso conseguir nenhum prazer, nenhuma alegria, nenhuma satisfação!
Hoje essa frase se materializou como sintoma em nossa sociedade. E os que mais sofrem desse mal são os adolescentes, que buscam o prazer e a completude a qualquer custo e fogem do sofrimento e da frustração, sem entender que esses dois últimos são componentes essenciais à vida adulta.
Mas o que significa ser adolescente? Do ponto de vista social é um período de transição entre a dependência infantil e a emancipação do jovem adulto. Na nossa cultura ocidental esse período pode se tornar muito longo, pois os estudos prolongados ou o desemprego em massa são os dois fatores que contribuem e alimentam a dependência material e afetiva em relação à família. Podemos observar que esse período vai dos onze anos até por volta dos vinte e cinco. Do ponto de vista biológico, a adolescência corresponde à puberdade, um momento da vida da criança de onze anos em que o corpo se inflama com surpreendente labareda hormonal, em consequência disso há o desenvolvimento dos órgãos genitais e alteração das formas anatômicas.
Do ponto de vista psicanalítico, o jovem de hoje é um ser conturbado e paradoxal, tudo nele é contraste e contradição, às vezes agitado ou indolente, eufórico e taciturno, revoltado e conformista, intransigente e esclarecido. Às vezes se apresenta como um entusiasta e num rompante se torna apático e deprimido. Em certos momentos exibe um orgulho desmedido, ou ao contrário, não se ama, sente-se insignificante e desconfia de tudo. E às vezes choca os familiares com ídolos opostos aos valores morais dos pais, idealizando rappers, líderes de gangues, personagens de videogames e os famosos “MCs” do funk. Em muitos momentos são capazes de ridicularizar os familiares em público, porém os ama e admira secretamente. Quantos conflitos, não? Nada fácil a vida de um adolescente!
Voltando ao conceito de satisfação, percebemos que crianças e adultos também sofrem com a dificuldade de sentir prazer, mas na adolescência esses sintomas ficam muito mais evidentes: o medo, a angústia e o desamparo provocam suor frio, taquicardias, paralisações e inibições de toda ordem; e surgem como se fossem do nada, causando estranhamento. A angústia, tristeza ou revolta caracterizam um sofrimento inconsciente moderado no adolescente, porém existem comportamentos perigosos com um sofrimento intenso caracterizado por: comportamentos depressivos e isolamento, tentativas de suicídio, polidependência, consumo de drogas pesadas, bebedeiras reiteradas, pornografia em excesso, anorexia, bulimia, apatia escolar, vandalismo, violências contra os outros e contra si mesmo, estupros, ciberdependência e uso exagerado de chats. Mas há ainda os distúrbios mentais que revelam um sofrimento exacerbado: TOC, fobias, depressão, esquizofrenia, depressões alimentares crônicas e perversões sexuais.
O dicionário Houaiss nos diz que satisfação é prazer advindo da realização do que se espera, do que se deseja, portanto satisfação tem a ver com desejo, com limites. O sofrimento de que se queixam os adolescentes vem sempre carregado de intensidades e excessos que se apresentam como afetação e se expressam como sentimento. Mas como isso acontece?
Essa equação é bem simples, afirma Joel Birman, “pois é possível reconhecer como o excesso transborda no psiquismo como humor e doenças antes de se deslocar para os registros do corpo e da ação”. O excesso, portanto, aparece no discurso daquele que sofre com afetação e sentimento: “eu não sei explicar, mas sinto algo estranho, uma angústia”. A pessoa passa da exaltação, do excesso para a depressão através de modulações de intensidades expressas nos sentimentos. Diferente dos sintomas e sofrimento do passado que tinham como base a culpa, pois estavam desrespeitando a moral familiar, hoje, inscrita na cena principal das narrativas psicopatológicas e psicanalíticas, é o vazio que faz sofrer. Os jovens estão vazios, se queixam de não ter nada dentro de si, que não conseguem mais ter prazer – “I cant’t get no satisfaction” –, sua existência e o mundo perderam absolutamente o sentido, não tendo, pois, mais qualquer razão para existir, perdendo o impulso para a afirmação da vida e muitas vezes mergulhado no abismo da depressão.
Portanto, temos diante de nós um panorama nem sempre otimista, pois podemos observar em várias famílias o sofrimento de um adolescente em crise, que vem sempre acompanhado de uma pergunta e um lamento: Mas eu fiz de tudo que estava ao meu alcance, o que será que deu errado? Ele não tem motivo para sofrer, pois demos o melhor que podíamos!
Um adolescente em crise é um jovem com dificuldade para exprimir com palavras seu mal-estar. Ele não sabe avaliar o que sente, e nem sempre o que sente está de acordo com o que pensa, não consegue verbalizar o sofrimento difuso que o invade, afirma J. D. Nasio. E seu mal-estar traduz-se mais em atos do que em palavras, seu sofrimento manifesta-se por meio de comportamentos impulsivos, agressivos e por vezes violento. E aí reside o maior engano de todos: Como pode uma pessoa que muitas vezes se apresenta como violenta estar sofrendo? A prática clínica nos mostra isso diariamente – um adolescente revoltado é uma pessoa que teme ser humilhado e comparado –, com aquelas frases ditas incansavelmente pelos pais: eu não era assim, não bebia, não fumava, não respondia meus pais etc. E quando passamos a ouvir a angústia que está por trás dessa agressividade, novas possibilidades se apresentam para esses adolescentes.

Maria Odete G. Galvão
Historiadora, psicóloga e psicanalista, Mestre em semiótica psicanalítica pela PUC/SP, e coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Psicanálise, Arte e Cultura de Arujá
Fone: 4653-6691 / 97100-5253
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