A criança e o mundo infantil

Postado em 24 de outubro de 2019

Hoje quero abordar com vocês alguns temas recorrentes na clínica, questões trazidas por pais, professores, estudantes de psicanálise e da sociedade em geral: quando levar uma criança ao consultório de um analista? A análise não é só para adulto? Em resumo, qual é a formalização do ato analítico com os pais e com a criança acometida de algum mal estar?
Sabemos que a criança tem um lugar no psiquismo do adulto (pais) e é colocada como ideal, no lugar de um ser/objeto de desejo, de amor e de prazer para a família, é o mais fofinho, o mais bonitinho, o inteligente, o rebelde etc.
Porém, esse ser em construção pode realizar o lugar desse ideal, mas também pode alterar como causa ou falta no desejo desses pais, e essa alternância é promotora de tempos que também se alternam no posicionamento do psiquismo da criança, podendo regredir ou avançar nos estágios do infantil, na medida em que ela não fica o tempo todo estanque tentando encher o vazio de amor, do ideal ou seja lá o que for que falte aos pais.
Diferente do tratamento de uma pessoa que já dispõe da palavra e da escrita, a criança, mesmo sendo um sujeito da linguagem, ainda não desenvolveu os recursos da elaboração com as palavras, para tanto são necessários os jogos, brinquedos, desenhos, pinturas, esculturas e as entrevistas com o pai e/ou com a mãe, como abordagem do tempo infantil e dos sintomas do qual se queixam os progenitores.
Os tempos da infância, diferente da visão romântica que se tem do infantil, podem estar povoados de inibições, sintomas e angústias que muitas vezes são índices desses lugares que a criança vai transitar na demanda familiar e nas identificações com os pais, ou com a cultura que está inserida, causando em alguns momentos certas paralisações, pois a evolução do infantil não é natural, observamos claramente esse fato em adultos que regridem a condições infantis, ou nunca saem dela.
Em certos momentos na evolução do infantil, por mais bem cuidada ou amada que a criança tenha sido, ela pode apresentar sintomas, e a intervenção do analista se justifica e aponta para instaurar as operações irrealizadas no seu psiquismo, aquelas que são fundadoras da passagem de um momento para outro, momentos esses em que se faz necessário o luto. Luto? Mas, luto do quê? Do bebê idealizado, da criança maravilhosa, de todos os ideais familiares, tão necessários para o desenvolvimento.
Cada vez mais crescem as demandas sobre como criar filhos mais felizes e saudáveis e, devido a essas dúvidas, se multiplicam as ofertas de manuais que na maioria das vezes já nascem ultrapassados, pois mudamos o tempo todo e esses manuais envelhecem rapidamente. O maior exemplo disso é o arrependimento dos pais do século 20 que juraram dar tudo que não tiveram aos filhos; e na tentativa de suprir todas as faltas criaram sujeitos que vivem no excesso e, portanto, insatisfeitos e doentes. E o pior, diante dessa triste realidade vemos profissionais incentivando o retorno da educação do século 19, com a velha frase sem sentido: “No meu tempo…!”
Retornaremos à estaca zero?
Os ganhos mais evidentes para os adolescentes ou adultos que passaram por uma análise na infância são a nítida posição que eles ocupam em seu meio, uma posição diferente especificamente em relação ao saber e à verdade; e a resposta diante daquilo que lhes falta (um objeto desejado) não é mais a ansiedade, nem o excesso, mas algo que eles podem criar e inventar, fazendo de sua vida algo singular, e não mais um rascunho ou a cópia da demanda e dos imperativos que cada época nos convoca.

Maria Odete G. Galvão
Historiadora, psicóloga e psicanalista, mestre em semiótica psicanalítica pela PUC/SP, e coordenadora do NUPPAC – Núcleo de Pesquisa em Psicanálise, Arte e Cultura de Arujá
Fone: 4653-6691 / 97100-5253
Rua Vanderlei Nasser do Prado, 114
Center Ville – Arujá
www.nucleodepesquisa.art.br
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